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Sete meses após o Brasil entrar em estado de emergência pública por causa da pandemia do novo coronavírus, o Ministério da Saúde distribuiu menos de um terço dos 22,9 milhões de exames do tipo RT-PCR, considerados “padrão ouro” para diagnóstico da covid-19. Até quinta-feira, 3, foram 6,43 milhões de unidades enviadas a Estados e municípios da rede pública de saúde, o que equivale a 28% do total. No mesmo período, o governo enviou 8 milhões de testes do tipo rápido – que localizam anticorpos para a doença, mas não são indicados para diagnóstico –, obtidos por meio de doações.
O principal motivo para os exames já comprados não serem usados é a falta de insumos necessários na primeira etapa, para a coleta e extração do material genético de pacientes. Segundo gestores locais, os testes encalham tanto no ministério como em unidades de saúde, pois o governo federal enviou kits incompletos para processar as amostras colhidas. Há 9,46 milhões de unidades estocadas na pasta, número próximo do revelado pelo Estadão no fim de julho (9,85 milhões).
Isso porque o número de cotonetes “swab” e tubos, usados para coleta de amostras, está abaixo do necessário. Foram 2,48 milhões do primeiro e 1,8 milhão do segundo. Os insumos para “extração” do material genético (RNA), segunda fase do processo de testes, foram entregues em escala ainda menor: somente 622,6 mil chegaram aos Estados. Os dados sobre reagentes e insumos distribuídos constam em documentos internos da pasta, obtidos pelo Estadão.
O Ministério da Saúde afirma que pretende regularizar a situação, pois contratou 10 milhões de unidades de “extração”, que devem ser distribuídas nos próximos 15 dias. Questionada em julho sobre os testes encalhados, a pasta disse que não havia recebido alertas dos gestores dos Estados sobre a falta de insumos. Relatórios internos, no entanto, já apontavam o problema. O governo afirmou ainda que teve dificuldades para encontrar todos os insumos no mercado internacional.
Outro motivo para a não distribuição da maior parte dos exames já adquiridos é que 7,65 milhões ainda estão em fabricação na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), laboratório público vinculado à pasta. O resultado da falta do material é que o Sistema Único de Saúde (SUS) executou apenas 2,65 milhões de testes moleculares, ou seja, menos da metade das unidades entregues pelo ministério. A conta não considera que alguns Estados e municípios ainda fizeram compras próprias de exames.
“A distribuição de insumos para extração do material genético viral, utilizado na primeira etapa do processamento nos laboratórios, ainda não está regularizada e afeta a realização dos testes”, afirma o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Com kits incompletos, o Brasil está distante da meta de exames “padrão ouro” traçada em maio pelo próprio ministério, no programa “Diagnosticar para Cuidar”. A ideia era analisar 20 milhões de amostras no SUS até agosto, mas a rede pública só cumpriu 13,25% da meta. O governo esperava fechar o ano com outros 4,2 milhões de testes feitos.
“Esse processo (do exame) envolve três grandes etapas. O preparo e a extração do material genético, converter esse material genético e a amplificação em tempo real”, explica Mellanie Fontes-Dutra, pós-doutoranda em Bioquímica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Apesar do atraso, a Saúde mantém a meta de testagem. Além dos 10 milhões de unidades de extrações que promete distribuir em 15 dias, a pasta deve instalar máquinas para automatizar o processamento das amostras em nove Estados e no Distrito Federal. “A média diária de exames RT-PCR realizados no Brasil passou de 1.148 em março para 22.943 em agosto. A meta é ampliar a capacidade laboratorial para realizar até 115 mil testes diários”, afirma.
Presidente do Conass e secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula afirma que “os laboratórios ficam impedidos de iniciar a análise de diversas amostras”, quando o ministério só envia parte dos insumos. O Maranhão, por exemplo, não recebe reagentes de extração desde maio do governo federal.
O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, tem minimizado a falta de testes. Na gestão do militar, o discurso é de que o médico deve fazer o diagnóstico com base na análise dos sintomas do paciente, por exemplo, e já prescrever medicamentos. “A ampliação da capacidade de testagem não está atrasada. Há mais de 60 dias que o diagnóstico é clínico”, disse Pazuello na segunda-feira.
Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o médico Leonardo Weissmann afirma que o exame clínico não pode substituir a testagem em massa. “No começo da pandemia imaginávamos que covid-19 era doença basicamente respiratória. Hoje sabemos que atinge vários órgãos e tem um quadro bastante inespecífico.”